terça-feira, 24 de novembro de 2009

Estou sendo inconveniente?

Sim, está! O ser humano é um animal extremamente versátil, porém, toda essa )versatilidade acaba trazendo em si uma abundância de habilidades extremamente inúteis, irracionais e ineficazes em qualquer situação. Por vezes, essas habilidades extras causam certo infortúnio para o próprio indivíduo ou para aqueles que o rodeiam. Como exemplo dessas bizarrices naturais ou sociais podemos citar a habilidade de dobrar as falanges distais, dobrar a língua em forma de “u”, ter o lóbulo da orelha colado, monocelhas, casamento, filas, livros de auto-ajuda e, como mais irritante de todos, a necessidade de verbalizar o óbvio para o outro.

Pergunta: Nossa, mas o que faz para manter a forma?
Resposta: Olha, vou contar-lhe uma dica: eu uso o botãozinho de justificar do meu editor de texto. Os resultados são instantâneos e fenomenais!

Pergunta: Mas e naqueles momentos na rua em que converso comigo mesmo, em voz alta, em língua estrangeira, estou verbalizando o óbvio?
Resposta: Não. Possivelmente é resultado de um auto relato a fim de dar significado ou complexificar uma situação ou acontecimento; ao passo em que treina uma língua estrangeira. Extremamente produtivo e não há quase nada de estranho nisso. Pode ser paranóia se o comportamento for mantido para afugentar as pessoas devido à mania de perseguição - procure um psicanalista. Também, pode ocorrer de algumas vozes responderem, e até brigarem, dentro de sua cabeça a depender do que for dito. Se isso acontecer, procure um psicólogo e um psiquiatra com urgência. Se, em último caso, você sair nu e aos berros – em língua estrangeira – em uma rua movimentada não procure ninguém, é estresse. Em todo caso, vista-se, pare de gritar e tire um cochilo antes de sair correndo pelado novamente.

Pergunta: Posso fazer uma pergunta?
Resposta: Essa pergunta já foi feita.
Pergunta: Quais seriam, então, os exemplos dessa necessidade tão irritante?
Resposta: Imagine-se encontrando com alguma pessoa que você conheceu na infância. Pode ser um tio, vizinho, mascote de programa de auditório e por aí vai. As primeiras frases proferidas por essa pessoa serão as mais irritantes, óbvias e com uma pitada a mais de conclusões precipitadas:
- Nossa, mas como cresceu! Me lembro de você bem pequenininho. Deste tamanho aqui ó! Agora já está um rapaz bonito, grande, barbado. Aposto que está arrasando com as mocinhas, né?
Encontraremos apenas variações morfológicas e sintáticas, mas sempre o aspecto semântico permanecerá imutável.
Outros exemplos pontuais muito encontrados são:
- Você viu isso?
- Você é um gênio!
¬ - Você ouviu isso?
- Você é muito chato!
- Você me acha atraente, né?
- Mas, que diabos? Tira essa mão daí!

Pergunta: Você é muito chato!
Resposta: Achei que fosse óbvio. Só para constar, o que foi dito nem foi uma pergunta.




Pergunta: Minhas tias dizem exatamente aquelas frases. Aliás, minha mãe também adora reforçar o óbvio. É uma habilidade essencialmente feminina?
Resposta: Não. Por incrível que pareça, há muitos homens que costumam reforçar o óbvio, principalmente, na presença de outros homens. Talvez seja uma tentativa de reforçar a masculinidade em meio social:
- Que mulherão!
- Foi pênalti, foi pênalti, juiz ladrão, foi pênalti, foi pênalti. Viu, não falei que era pênalti?
- Que pernas!
- Mas o cara também só fica na banheira!
- Que peitos!
- O Atlético Mineiro vai perder.
- Que corpão! Você viu?
Ao que parece, em contato com indivíduos do sexo oposto e em questões políticas, o reforço do óbvio não acontece nos homens devido a inverdade que se coloca na dianteira:
- Não sei de nada!
- Estava vendo o jogo com os amigos.
- Prefiro não comentar sobre o assunto.
- Claro que não havia mulheres.
- Nego qualquer participação nestes esquemas.
- Eu também!

Pergunta: Você sofre de algum distúrbio neurológico ou patologia psicológica?
Resposta: Só respondo na presença do meu psicólogo.

Pergunta: Qual o papel do famoso “né”?
Resposta: Além de falar pelos cotovelos, determinadas pessoas não entenderam o sentido do universo, das necessidades fisiológicas, da alimentação, do estudo, dos salgados de ontem que para sempre jazem nas cantinas e, enfim, da vida. Esses elementos apresentam mais em comum do que se pode imaginar, porém, após pouquíssimos momentos de abstração, a conclusão é clara como o céu. Por vezes, é acompanhada por aquela famosa frase que sucede ao infortúnio do flagrante de uma traição da esposa com o melhor amigo – “Como não pensei nisso antes?”.
O sentido que há em comum entre o universo, as necessidades fisiológicas, a alimentação, o estudo, os salgados de ontem que para sempre jazem nas cantinas e, enfim, a vida, é o fato de todos seguirem o lema do antigo hit “All by Myself” – Por mais que na juventude o amor era apenas diversão, agora não querem terminar os seus dias sozinhos. E para a decepção das tias românticas, infelizmente, eles irão.
Além disso, o uso do recurso supracitado reforça o óbvio, que a pessoa escutou ao que foi dito e é perdoável nos casos onde o ouvinte sofre de problemas auditivos. Sendo usado após fato óbvio ele é redundante duas vezes, o que pode se tornar duplamente redundante caso o óbvio reforçado for redundante.
Os que dizem “né?”, “não é?”, “não é mesmo?” e suas variâncias com freqüência irritantemente alta provavelmente se tornarão tias românticas,; e por outro lado, não entenderam que para todo e qualquer de pensamento em voz alta, grunhido ou outra manifestação vocal não é necessário uma confirmação do ouvinte. Se já foi dito, usado cordas vocais ou sinais de fumaça os sons, ou imagens visuais, devem ser perpetuados all by itself.

Pergunta: Então quer dizer que falar “não é” como ponto final é chato, né?

Pergunta: E como faço para não reforçar o óbvio?
Resposta: Existem duas maneiras. A primeira é simples e com eficácia comprovada, porém, pode prejudicar qualquer relação que possa ter se estabelecido entre o interlocutor e o ouvinte. É simples:
1 – Se estiver sentado, levante-se.
2 – Aproxime-se do interlocutor.
3 – Simule uma expressão de ódio incontido e insanidade tresloucada.
4 – Feche o punho e o erga até a altura dos olhos.
5 – Projete o punho contraído em direção à cabeça do interlocutor.
6 – Descontraia o punho e erga o dedo indicador em direção ao rosto do interlocutor.
7 – Repita os dizeres: “E que isso não se repita!”

Como há prejuízo físico e danos sociais, alguns preferem um método com menor eficácia – somente ignoram.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Halloween (atrasado): Conde Crápula.



O Halloween passou, mas não podia deixar de escrever algo sobre. Recentemente está na moda fazer filmes de vampiros (aliás, acho que sempre foi). Personagem fantástico que habita ora nossos sonhos, ora nossos pesadelos, o vampiro desperta reações as mais diversas em nós de acordo com a forma em que é representado: ele pode ser um personagem cruel, melancólico, sedutor, um “super-homem” ou um corpo em decomposição. E assim ele dá escape às nossas mais desvairadas fantasias (afinal, o homem que vence a morte, o maior mistério da vida, é sempre algo que assombra a imaginação humana)

Um dos filmes mais interessantes sobre vampiros é o Drácula de Bram Stoker, dirigido pelo Coppola, justamente pela peculiaridade da obra que transcende um rótulo simplista de gênero: Drácula chegar a aprofundar de tal modo na dramaticidade da história que eu teria dificuldades em enquadrá-lo no gênero terror. E, de fato, o susto e o medo nem mesmo chegam a ser a tônica do filme. Porém, cabe destacar aqui a diferença entre o terror e o horror: O terror é a qualidade ou o estado de grande pavor ou apreensão, já o horror é a sensação do terrível e medo. O primeiro termo se relaciona com o frenesi de um medo mental e físico da dor, desmembramento e da morte. Já o horror sugere a percepção de algo ruim ou moralmente repulsivo. Deste modo, Drácula de Bram Stoker se torna um expoente do horror ao trazer elementos típicos deste gênero, isto é, aspectos que tornam o ambiente envolto em mistério e no macabro.
Vejo o filme como uma obra independente do livro, contudo o filme e o livro se completam: se o horror moderno descende do romance gótico, o filme, por sua vez, é pintado com cores que não estão presentes no livro, mas que remetem a um estilo romântico/gótico. Se inicialmente Bram Stoker criou um ambiente macabro, Coppola completa a obra ao trabalhar mais a intuição, imaginação e a psique sombria dos indivíduos. O personagem principal deixa de ser o simples mal para ter a individualidade aprofundada e possuir um caráter mais intricado e obscuro. Enfim, o vilão ganha uma carga emocional, ou melhor, um lado humano (não sinônimo de compaixão), ainda que continue sendo um ser monstruoso.

O Romantismo Gótico rejeita a idéia ilustrada (iluminismo) do equilíbrio e do racionalismo em contraste com o mistério, o místico, o passional. E isto fica claro no filme: a oposição entre a ciência e o sobrenatural. A chegada de Drácula em Londres é bem representativa: um príncipe de séculos atrás proveniente de uma das regiões mais isoladas da Europa entra em contato com um centro urbano maravilhado com as novidades da modernidade na virada do século XIX.
E é justamente um renomado cientista, Abrahan Van Helsing, que toma conhecimento da situação atípica, e, a fim de derrotar o inimigo, ele mesmo curva-se perante o sobrenatural.
O romantismo serve de inspiração para a montagem das cenas e da ambientação, assim como os temas: as emoções e os sentimentos dos personagens são a linha que guia a narração; a melancolia e a nostalgia dão a cor do filme; amores irreais e idealizados, acontecimentos históricos e o mistério formam a estrutura da história.
O romantismo também influiu na estética: é literalmente uma pintura. Já na introdução, somos presenteados com tomadas belíssimas que vão desde a queda da cruz da Hagia Sofia até a batalha na qual só podemos ver as silhuetas dos homens contra o pôr-do-sol; ou do retorno de Drácula ao castelo ao suicídio de Elisabeta no rio. E por esta parte técnica que Drácula de Bram Stoker se distancia (ainda mais) dos filmes tradicionais do horror: o soturno, o misterioso e o macabro são mais do que elementos estéticos, são protagonistas da história. Não servem apenas para compor o pavor, mas é a própria essência do filme. A cena do jardim em que Drácula atrai Lucy parece que foi retirada do sonho mais sombrio; totalmente insólito.
Enfim, Dracula de Bram Stoker pode ser visto como uma metalinguagem da própria arte. Já é bem sabido que a modernidade trouxe consigo o desencanto do mundo, uma vez que a ciência ocupou todos os espaços do cotidiano não deixando nenhum vácuo que poderia ser preenchido pela imaginação. Estamos desorientados, presos pela dureza da realidade e da mecanicidade das relações sociais. Deste modo, a arte, hoje, seria uma forma de expressão dos sentimentos e de uma visão de mundo particular de cada pessoa. E também uma fonte de momentos lúdicos ao transformar o fantástico em algo verossímil, pelo menos dentro do universo imaginativo da arte.
Quem não se delicia ouvindo uma boa história de fantasmas ou assistindo a um bom filme de horror? Estas histórias fantásticas, na medida em que resgata um sentimento presente entre todos – o medo –, tornam a nossa vida mais suportável perante o cientificismo. E a essência do medo é justamente o desconhecido e o misterioso. E qual melhor representação dessa oposição do que um ser mítico que desafia a própria ciência em plena modernidade?

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Gênios - Baseado em fatos reais

             Há necessidade de discernimento: ser ignorante é falta de conhecimento, sabedoria ou instrução, não burrice. Por exemplo, há em uma comunidade de um site de relacionamento de pessoas em que os membros se acham extremamente inteligentes porque fizeram um teste de internet que “mede” o quociente de inteligência. Espero que eles ignorem o fato de que somente o psicólogo tem o poder legal, técnico e prático para aplicar um teste de inteligência e medir o QI com ferramentas cientificamente testadas e comprovadas. Por exemplo, temos o WAIS III (obviamente, traduzido para o Brasil), que se utiliza de dados estatísticos e mede o QI verbal e de execução através de vários subtestes de inteligência. Ou seja, desconhecer isso tudo é somente ignorância. Por outro lado, em uma rápida vasculhada nos membros da comunidade, facilmente encontramos fotos de pessoas sem camisa, com frases de efeito aparentemente inteligentes no perfil e que possuem comunidades relacionadas a axé. Há uma probabilidade imensa de que esses indivíduos são incompatíveis com o QI que dizem possuir. Não há pesquisas que comprovem a correlação entre esses elementos e a burrice, mas tenho um forte palpite de que sim.

                  

Na outra ponte, temos os inteligentes, talentos e gênios. Um talento é alguém com extrema facilidade de aprendizado e capacidade em uma habilidade – Pelé é um talento no futebol. Enquanto isso, um superdotado é alguém com o QI maior do que 130: Francis Galton era superdotado, com o QI de 200 que aprendeu a ler com 2 anos, aos 4 falava latim, sabia um pouco de francês e sabia realizar diversas operações matemáticas. Já o gênio se diferencia do superdotado por ser extremamente criativo, propõe uma quebra de paradigmas, é extremamente produtivo e tem papel fundamental na história da humanidade. Em uma pesquisa científica, foi deduzido que apenas existiram dezoito gênios. Entre eles Newton, Aristóteles, Euler, Michelangelo, Einstein, Mozart, Beethoven, Voltaire e Shakespeare.


Na ocasião de um dia como qualquer outro, em uma sala como todas as outras da universidade federal – mesas rabiscadas e antigas, porta estragada e um calor insuportável,  ocorria apenas mais uma aula onde o assunto era inteligência, superdotação, talentos e habilidades. Após um tempo considerável, explicando sobre os conceitos e elucidando questionamentos, e somente como curiosidade foi mostrada à turma uma lista contendo os  dezoito gênios da humanidade de acordo com uma pesquisa científica. Como toda e qualquer lista, as pessoas resolveram questionar o porquê dos seus personagens favoritos não se apresentarem por ali – “Mas porque não Da Vinci?”

        “Ora, Da Vinci foi um grande inventor, um grande artista de sua época mas pela pesquisa não alcançou o escore de 100 através dos parâmetros determinados. Não houve tanto conhecimento criado verticalmente embora tenha aperfeiçoado muitas coisas. A pesquisa foi baseada em dados históricos, biográficos e enciclopédias. Ocidentais somente, o que é uma pena.” – respondeu pacientemente a Doutora.

Em houve um rebuliço na sala recheada de gênios tão assumidamente verdadeiros quanto Inri Cristo, tão crível quanto zebras com listras púrpuras e douradas pastando entre Foz do Iguaçu e o Chuí e extremamente psicanalistas. Sem muitos rodeios, educação ou respeito, uma aspirante à psicanalista levanta a questão – já esperada, já famigerada e em breve rechaçada – que estava dormente na boca de muitos: “Mas e Freud?”

Há determinados momentos em que uma pessoa se sente tão envergonhada em uma comunidade que prefere procurar algo realmente interessante e inovador na ponta de uma lapiseira, ou contar os grãos de poeira do chão, do que continuar a prestar a atenção naquilo que o deixará extremamente encabulado. É como uma criança e uma mãe bêbada em uma festa de um amiguinho. Ele não pode negar que é filho, mas prefere abaixar a cabeça e contar os granulados em um brigadeiro do que presenciar a baixaria. Confesso que tive um pressentimento de que minha lapiseira era responsável por uma conspiração alienígena e tratei de analisá-la de maneira obsessiva.


“Freud foi uma grande figura, assim como Skinner” – pausa desgostosa para os psicanalistas – “mas não podemos dizer que ele mudou alguma coisa, né?” – Um psicanalista saltou da janela para a morte certa por total desgosto pela vida.

“Claro que mudou! Imagine como nós mulheres estaríamos se não fosse a descoberta da sexualidade. Estaríamos ainda subjugadas aos homens e negando nossa sexualidade”. – A palavra descoberta ecoou por um mísero e interminável momento.

Pausa.

Há momentos em que uma respiração longa e profunda é necessária. Respire fundo e conte até dez vagarosamente.
 Um, dois, três... dez.
 Em meio a pensamentos, segurando os lábios de maneira cruel consegui dizer apenas para minha lapiseira:
“E graças à rápida e fácil disseminação dessa incrível descoberta, o mundo encontrou a década de 60. Vamos nos amar e usar drogas já que o tal do Freud mandou um email pra galera com os seguintes dizeres: Aí mulherada: vamos liberar geral! Tá dominado! Ah, se não fosse meu velho amigo camarada. Ainda viveríamos com uma mulher em casa e outra no prostíbulo. Um viva ao Freud!”

“Então você dedica sua liberdade sexual à Freud?” – Voltando ao audível, a doutora respondeu com uma paciência gigantesca. Por um momento, descolei-me da conspiração e consegui respirar com tranqüilidade. É uma pena que felicidade de pobre dure tão pouco.

“Mas então porque Shakespeare está na lista?” – Não satisfeito alguém perguntou.
 

Não culpo a ignorância, mas temo em dizer que os nervos não estavam em seus melhores dias. A ignorância foi perdoável na medida em que lancei o olhar mais aterrorizado e com carga máxima de desprezo em direção à pessoa que desferiu aquele comentário e que, possivelmente, só assistiu à Shakespeare Apaixonado.

“Terei que ler a pesquisa novamente. Não me lembro com tantos detalhes sobre Shakespeare” – Resposta sincera e inteligente. Caso não se saiba, não há porque inventar: consultamos, pesquisamos e após lermos tudo com cuidado,  somos livres para criticar uma pesquisa.

Mas eis que surge a genialidade máxima e suprema, ser criador de todas as asneiras, que muda completamente os paradigmas do conhecimento boçal e antalógico. Em apenas segundos, destruiu o resto de bom senso da humanidade e estava certa de que mudaria toda a história a partir daí, dizendo vagarosamente e escolhendo bem as palavras que levariam ao Apocalipse:

“Professora, a senhora disse que a pesquisa foi baseada em enciclopédias.”

“Não foi bem o que eu disse. São pesquisas históricas, livros....”

“E as enciclopédias são britânicas e... ” – uma sensação de formigamento foi surgindo na ponta dos dedos e se espalhando pelo braço – “... Shakespeare é inglês.”

Não acreditando em meus ouvidos, me concentrei fortemente na lapiseira que começou a pegar fogo e estourou. Os vidros estilhaçaram e no céu as nuvens escureceram. Era o fim dos tempos.

“Professora, a pesquisa foi tendenciosa para favorecer Shakespeare porque ele é Inglês! Ele não pode ser considerado um gênio.”
“A....n.......ta” – Foi somente o que consegui proferir antes de cair da cadeira, quebrar duas vértebras, sofrer uma parada cardíaca, um acidente vascular cerebral e um rompimento no nervo vestíbulo-coclear. E foi o fim do mundo.

 



segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Resposta ao Desafio número 1 - Osman

Ora, Osman era Turco. Não no sentido de que ele era de um país longínquo da Europa oriental - ainda que fosse - mas, Osman era de fato um senhor obsessivamente pão-duro, sovina, avarento, mesquinho, unha-de-fome, miserável e, talvez, um pouquinho mão-de-vaca. Ao nascer, quase morreu ao tentar economizar ar. Depois de umas palmadas no bumbum, teve que se contentar em economizar o choro, deu apenas um gritinho fininho.

Osman intrigou os pediatras e geneticistas durante o seu desenvolvimento infantil: antes mesmo de falar, andar, balbuciar, brincar e até mamar, o danado do bebê já possuía o controle dos esfíncteres. Talvez uma habilidade particularmente interessante quando se pensa que o projeto de gente já conseguia segurar todos os presentinhos. Aihdshnuipoanmfpuebf........................................... (Mais detalhes da vida de Osman foi retirado por ordem da família na tentativa de segurar as informações)

E foi então que o velho sovina bateu as botas e não descalçou – ia levar tudo mesmo para o túmulo. Isso acabou causando um tremendo mal estar a todos. Segurava em vida, segurou em morte. A esposa conclamava cinqüenta porcento, o sobrinho que cuidou do velho na doença, vinte e cinco. Cada um dos três filhos, trinta e três. O papagaio só cantava cem por cento. E assim se sucede o fato de que ninguém ali naquele recinto fúnebre trocava uma palavra. A família, como dito anteriormente, também compartilhava desses genes modificados – o luto era mantido no interior de cada um e nem uma gota de lágrima foi derramada. Há de se convir que nem todos familiares compartilhavam do mesmo gene recessivo e, portanto, alguns simplesmente não gostavam mesmo do velho e brigavam mesmo pela herança.

No entanto, senhoras e senhores, algo no enterro foi fora do comum. Lá pelas tantas, uma estranha sensação rondou todos aqueles que ali se encontravam. O defunto estava ainda vivo? Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto do presunto. Oman chorou tudo o que não havia chorado durante sua vida - não se podia colocar o coração na balança mais os pertences. Algumas pessoas desataram a chorar, uns pelo fato do morto poder estar vivo, outros pelo fato do morto estar morto e dois e meio por estarem presenciando ali um verdadeiro milagre.

Um primo distante tirou o pulso, ainda estava bem morto. Enquanto os familiares se comoviam e, também, liberavam um pouco de energia e tristezas, de dentro das profundezas da carne em estado pré-putrefado, veio algo que o velho vinha segurando desde a infância. Aquele som gutural, sombrio, lembrava uma mistura de acordes desafinados de violino, motocicleta sem escapamento, tambores africanos e trompetes celestiais. O que veio a seguir não foi nada contido: Algumas pessoas desabaram no choro ainda mais e, assim, o desespero tomava conta do recinto. Nesse momento, ou no breve momento em que as pessoas conseguiram suportar o cheiro fétido de gases seculares, a família finalmente se permitiu olhar para os próprios integrantes e, naquele rio de lágrimas - de desespero, luto ou risos - crescia uma pontada de esperança de que eles mesmos abandonassem o que seguravam a vida inteira. No fim, toda essa pão-duragem deveria ser transgredida, abrindo espaço para que se pudessem compartilhar sonhos, dores, esperança, preocupações e, até porque não, a herança. Em partes que fossem iguais para todos, até para o defunto. Nesse compartilhamento momentâneo, outras sensações de putrefação estomacal eram absorvidas. Felizmente, toda a idéia de compartilhar foi rechaçada em prol da saúde dos pulmões dos indivíduos do local.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Primeiro Desafio - Texto

Ela partiu e deixou um imenso vazio na vida de Carlos.

 “Doía muito”, ele me disse quando conversei com ele uns três meses atrás. “estou me sentido vazio, sabe”. Tentei consolá-lo e mostrar que a vida é cheia contratempos que não podemos controlar. E com o tempo ele acabaria esquecendo e continuaria a sua vida como antes. Contudo nos meses que se seguiram o que se observou foi a degradação física e mental de Carlos, que acabou por levá-lo a um estado de insanidade.

Carlos conheceu Silvia num grupo de estudos há cinco anos atrás. Logo, se tornaram grandes amigos e não muito tempo depois a intimidade cresceu cedendo o lugar à paixão. Desde então, os dois construíram um relacionamento sólido e sincero. Ao longo de tempo compartilharam os bons momentos e um deu apoio ao outro nas fases mais difíceis. Passaram muitas tardes discutindo as perspectivas e, juntos, construíram planos para o futuro.  E quem quer que os visse não deixaria de perceber que formavam um casal cheio de cumplicidade e carinho, e  que viveriam felizes pelos resto de suas vidas. Pelo menos era o que os amigos diziam... Em uma festa, o próprio Carlos, cheio carinho, brincou naquele estilo brega que só os apaixonados conseguem fazer:

- Ela é a minha cara-metade. Cada pedacinho dela me completa. Já diziam os antigos o homem foi dividido em dois pedaços, então o amor seria quando estas partes se encontravam. Por isso precisamos fundir em um só novamente. O que acha da idéia? – disse voltando o olhar cheio de malícia para a amada

Mas certo dia, Carlos estava de sair com Silvia em um jantar especial comemorando o aniversário de namoro.  Esperou por muito tempo, mas ela não apareceu nem deu algum recado. Era uma situação muito estranha, pois nestes anos todos de namoro ela nunca havia feito algo assim, ainda mais em uma data tão importante. O telefone ninguém atendia. Foi então que Carlos percebeu que algo mais sério tinha ocorrido.  O receio tomou conta dele quando descobriu que nem as amigas nem os parentes sabiam do paradeiro da Silvia. Logo, entrou em desespero e esperando pelo pior contatou a policia, mas disseram que não tinham nenhuma notícia e assim que fosse possível, averiguariam.  Carlos já não sabia mais o que fazer...Mal ele sabia da dor e tristeza que lhe estavam reservadas.

Três dias depois ele descobriu que Silvia não havia voltado para casa pois havia partido para outro país com um estrangeiro que conhecera em um congresso. O amor antes sincero e devotado ao outro cedeu ao amor próprio. E foi assim que ela partiu.

Carlos ficou muito abatido e, por mais que fosse consolado por todos e recebesse ajuda de especialistas, não conseguiu se recuperar. Ele estava agonizante e dizia que sentia um grande vazio. Vazio da parte que ela ocupava na vida dele.

O tempo passou e Carlos foi definhando dramaticamente, chegando num momento em que não podia mais sair da cama. E assim passava o dia deitado com um olhar vago e angustiado. Todos estavam muito tristes por ele. Foi então que a sua frustração deu lugar à insanidade. A suas idéias ficaram cada vez mais confusas e as conversas não fazia mais sentido algum. Mas o mais perturbador era que vez ou outra no meio da noite ouvia-se ele gritar em seu quarto como se houvesse alguém lá com ele:

- Não pode simplesmente separar um do outro e ir embora. Um pedaço de você não pode ir embora sem deixar um vazio na sua vida!!! Seu estúpido, como você não entende?

E assim, todas as noites ele delirava e repetia “que dor sinto por dentro, ela levou um pedaço de mim! por que tem que ser assim? Você não pode fazer nada? Por favor, ajude-me!”

Finalmente, no final de abril fizemos uma visita. Ao chegarmos no quarto em que ele estava, ficamos chocado com o seu estado, um aspecto horrível. Sua pele estava muito pálida e gelada, e em algumas partes do corpo percebemos manchas verde.  Os olhos permaneciam semi-abertos, e me parecia que ele já não ouvia ou escutava nada. Com uma grande dificuldade ele respirava e abria a boca para tentar dizer algo. Mas este esforço era em vão, pois não compreendíamos uma palavra sequer.

Em um determinado momento, o seu rosto adquiriu contornos de sofrimento. E um cheiro desagradável tomou conta do quarto. Estava um ambiente muito pesado e desagradável, então, lembrando-me do bom-humor de Carlos fiz um gracejo “ah, não é nada demais, é só uma flatulência ou dor de barriga, gases saindo...”

Mal terminara de dizer estas palavras quando tudo aconteceu muito rapidamente. Até hoje, todos nós presentes lá, estamos extremamente chocados e abalados com o que vimos naquele dia. Seus olhos cerrados e a boca escancarada indicaram uma dor dilacerante que o consumia internamente. O horror e nojo foram extremos quando da sua boca aberta foi expelido um cheiro nauseabundo acompanhando por ruídos internos. O seu peito contraía violentamente , e vapores se irrompiam pela pele.  Fomos tomados por náuseas por aquele cheiro pútrido de bicho em decomposição.  E a cada pulsão de seu corpo nos o vimos esvaziar! Sim, esvaziar! Oh Deus, que cena horrível! Com os nossos olhos testemunhamos o corpo de Carlos murchar sob os ossos e uma carcaça repugnante se formar em meio a um liquido verde e viscoso. No final restou um espectro hediondo, uma massa asquerosa que muito de longe lembrava uma figura humana.

Os médicos ficaram assustados com o que viram. Disseram que por dentro Carlos estava completamente necrosado, seus tecidos estavam podres e carcomidos. Porém, o mais estranho foi o fato dos órgãos, sem motivos conhecidos, se transformaram em líquidos e gases deixando um grande espaço vazio em seu corpo.....

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Homem primata


Não sou contra o capitalismo como forma de organização de um sistema econômico, mas acredito que ele tenha que ser bem dosado. Por vezes, minha indignação me leva a cogitar outras formas mais sustentáveis de economia: acho Marx interessante; mas basta olho para o lado para abandonar os livros e voltar para o capitalismo sem nem pensar, ou respirar, duas vezes. O danado do bicho grilo acaba por atrapalhar aquilo que, teoricamente, defende – agradeço o tio Karl pelas palavras de igualdade mas não pretendo adotar hábitos higiênicos de qualidade duvidosa, tampouco sou fã do figurino estilo Seu Madruga. Cheiro de cigarro me incomoda, vinho ruim não me faz bem (ou seria vinagre) e ainda prefiro as mulheres que depilam, ao menos, as axilas e a virilha.


As grandes empresas não visam o lucro, mas sim o aumento continuo e exponencial do mesmo. A estabilidade é vista como algo ruim por motivos que desconheço. Entendo que o lucro seja o objetivo, claro, se dá prejuízo não sobrevive. Porém, uma empresa não é uma entidade que surgiu do nada. Ela foi criada por alguém que queria ganhar dinheiro para ter uma melhor qualidade de vida. Algumas pessoas trabalham para ganhar dinheiro, poucos porque gostam do que fazem e, ainda, há aqueles que trabalham no que gosta mas precisa do dinheiro para se sustentar. Quanto mais dinheiro, maior qualidade de vida e tempo para praticar o que realmente gosta de fazer. Ou não?


 Vamos supor que um jovem entra em uma grande empresa agressiva para ganhar uma quantidade razoável de dinheiro. Trabalha cerca de quinze horas por dia, inclusive finais de semana.  Tudo de maneira bem condizente com as leis. "Trabalhe somente as suas 8 horas, mas você tem que dar conta de tudo". Ou seja, o serviço o acompanha até em casa. Ao fim de quinze anos, quando sortudo, já é rico. Começa a colocar seu dinheiro em fundos com maior risco, maiores lucros. O dinheiro vai se multiplicando e aos 50 anos ele se aposenta para tratamento de saúde. Tem pressão alta, estresse, calvície precoce, foi chifrado com o melhor amigo e o filho bateu o carro. Faz terapia até os 60, quando morre de um aneurisma. Suponha um professor universitário que trabalha oito horas por dia. Realiza pesquisas científicas nos assuntos que mais lhe interessa, além de buscar novas informações em congressos, debates, simpósios, palestras e encontros. No tempo livro, escreve e lê muitos livros. Durante as férias escolares, fica mais tranqüilo para continuar o trabalho e as pesquisas, além de se dedicar mais à família. Ao fim do ano, viaja a passeio; durante o ano ,pra congresso. Ao morrer, bem avançado de idade, é reconhecido por todos como um grande contribuinte para o desenvolvimento da humanidade. Ganhou o suficiente a vida inteira, mas a viveu bem.

            O erro está em atribuir ao dinheiro importância maior do que esse realmente tem. E mais, a burrice é infinita, mas o capital não. Se uma pessoa vai acumulando mais e mais grana, vários estão perdendo cada vez mais. Se houver empobrecimento da população, haverá queda no consumo; que por sua vez levará à menores margens de lucro e por conseguinte, prejuízo. Ou seja, a ganância exacerbada leva a um esgotamento dos recursos. É preciso administrar também a voracidade e a gula a fim de manter um equilíbrio. A importância suprema do lucro físico e material é, simplesmente, uma das maiores besteiras que já escutei. E não foi de qualquer pessoa que foi proferida tamanha  bestialidade - um gerente de uma das três maiores companias de consultoria do mundo para uma platéia de economistas, administradores e contadores que escutavam atentamente e degustavam cada informação com tamanha altivez e gozo. Ah, se eu fosse francês e soubesse construir uma bomba, não lamentaria a morte de todos naquele auditório lotado. Mesmo com todos os defeitos – que são muitos, variados e irritantes – ainda prefiro a faculdade de filosofia e ciências humanas em detrimento da faculdade de economia.


quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Sobre Ciências Humanas e Movimentos Sociais

A descrença na humanidade continua a crescer a medida em que se freqüenta qualquer faculdade de ciências humanas. Os habitantes desse tipo de lugar apresenta uma certa semelhança com os torcedores do atlético mineiro: vivem somente de glórias passadas. Os antigos jovens estudantes que lutaram contra a ditadura, e passaram maus bocados, hoje são quarentões e cinquentões de vida feita (ou desfeita). A ditadura já se foi, mas, a guerra contra a mesma continua em alta. É claro que respeito e admiro aqueles que lutaram pelos sonhos de muitos, pela liberdade e por direitos. Porém, os estudantes de hoje se apegarem somente a isso chega a ser patético. Não podemos dizer que temos um movimento estudantil se somente poucos se sentem representados. Aliás, meu camarada, os mais necessitados de ajuda e representação geralmente estão sendo porcos capitalistas para colocar comida na boca.




Em uma breve análise dos revolucionários das ciências humanas encontramos somente picaretagem e inutilidade. Os madrugas das ciências sociais andam falando demais e fazendo de menos. Se vestem com calças xadrez e fumam um baseado durante um passeio fora da sala no diretório acadêmico. Os cabelos grandes são embolados e sujos: até ganha até nomeação de penteado dread. Na história, o pessoal é mais pacato e não costuma tomar partido em decisões revolucionárias. Caso algum se encontre por lá, possuirá uma barba. Os indie da comunicação tentam, sem nem chegar perto de conseguir, serem diferentes e alternativos. Os filósofos se escondem em cantos obscuros e possuem barbas e cabelos compridos. Possivelmente, foram metaleiros e góticos durante a adolescência. Tenho uma teoria de que muitos feios, gordinhos e esquisitos têm uma tendência a se transformarem em góticos, metaleiros e emos durante a puberdade. Por vezes, jogadores de RPG. O que explicaria o maior índice de suicídio, porém, não pelo objeto de estudo em si, mas pelas pessoas com o perfil estereotipado que prestam vestibular para a área. Os psicólogos não suportam a TPM concomitante e continua das psicólogas e acabam migrando para a ala dos revoltados sem causa.

O que têm em comum todo esse bando é que geralmente, vivem de paitrocínio de um banqueiro, empresário ou um camarada bem sucedido que veio a ser progenitor da criatura. Moram na região nobre da cidade e têm carro próprio doado por papai. Aqueles que precisam de estágio para continuar estudando e pegam quatro conduções por dia, convenhamos, não possui tempo suficiente para entrar em confusão. Não tiro a importância de um movimento estudantil, desde que forte, coeso e representativo. Ora, há uma enorme passividade atualmente que tudo que lhe é negado o movimento simplesmente abaixa a cabeça e sai com o rabinho entre as pernas. Tudo isso porque são filiados a partidos e não querem prejudicar o emblema deles. Não queremos ver mortes, mas pelo menos umas bombas e uns carros queimados ajudariam a realmente mudar alguma coisa.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Da criação - parte 4 - Adão e Eva

Se formos buscar uma explicação espiritual para o processo do fracasso, remontaremos ao tempo do excremento original. Tal montinho de fezes era extremamente empreendedor, competente, perfeccionista, tinha facilidade para trabalhar em equipe e era tão criativo que se autonomeou Adão. Até hoje, essas qualidades originais são valorizadas, principalmente em uma entrevista de emprego para o cargo de gerente financeiro. De sua costela (alguns diriam, costeletas de porco), com todas aquelas curvas, surgiu Eva; cujo nome é de autor desconhecido. Por cargas d’água de uma descarga divina, os dois acabaram em um lugar que era chamado, ironicamente, de paraíso. Enquanto isso, o Criador, extremamente inventivo, foi criar as bolinhas de sabão e a goiaba branca.

O paraíso era um jardim estonteantemente perfeito e foi feito pelo Todo-poderoso, em um programa de computador elaborado para crianças. Não havia sido por dó do barro celestial, mas, um impulso criativo enquanto o Onipotente terminava os downloads de vídeos de orgias divinas no templo de Zeus (ou Gods Gone Wild) - ao qual não havia sido convidado, diga-se de passagem. Depois de completar o Paraíso, e desgostando do mesmo, ÓÓÓ jogou pelo no Assentuamento Monumental (também conhecido como A Divina Privada) e disse adeus ao puxar uma cordinha.

Adão e Eva não tinham o que fazer. Aliás, seus descendentes ainda não encontram muita utilidade para a vida. O tédio absoluto fazia o casal questionar e importunar o Criador a todo momento:

– Ó Onipotência Divina, responda-me qual o sentido da vida? O há de divertido para fazer nesse lugar? Onde está a TV, a Internet e o telefone que Vossa Divindade prometera? – Eva não conseguira responder satisfatoriamente a essas questões que volta e meia importunavam Adão.
– Mas você só sabe reclamar! Olhe o respeito ou sentirá a Minha ira! Como castigo, não poderá comer aquele fruto ali, é o fruto proibido. – Respondeu a Voz Divina, impaciente e irritada com aquele cheiro fétido.

– Mas por que cargas d’água eu não poderia? Não faz sentido!

Então, eis que sempre tem uma cobra para "apaziguar a situação". Nenhuma pessoa, de toda a população mundial daquele momento (Adão e Eva), pareceu se importar da cobra surgir misteriosamente no ar. Ela justificou sua existência, sem ninguém se importar, por ser derivada de um substantivo feminino e ser parente da fofoca. Assim, ao passo em que foram surgindo mais mulheres e a fofoca foi se modernizando, ela poderia surgir como metáfora para todas - fofocas e mulheres. De maneira análoga, surgiram as piranhas, peruas, galinhas e papagaios. Por fim a cobra começou a envenenar seus silvos:

– Hum, que maçã apetitosa!

– É minha, eu vi primeiro! – Adão, em um salto, agarrou a maçã e tratou de mordê-la rapidamente. Maçã não é fruta! É estupidamente sem graça pra ser uma!

Eis então que surge no céu uma raivosa, suntuosa e poderosa voz:

– Qualé! Ficou maluco? Sai vazado da minha área, mané! Perdeu plaboy!

E assim, a humanidade foi expulsa do paraíso, mas não do tédio. Quando o Onipotente foi inventar a tevê, o download terminou e Ele foi se divertir. Muitos atribuem a televisão e camisinha uma origem demoníaca. Ledo engano, Lúcifer estava muitíssimo ocupado rindo-se do Onipresente tentando abrir o divino e-mail usando a Internet discada. A teoria mais aceita acerca da criação do objeto quadrado luminoso é de que foi inventado por um punhado de restos orgânicos na tentativa de escapar do tédio. Já a camisinha criou-se sozinha e se considera um milagre, enfrentando a ira da Igreja Católica que acha que todo esperma é sagrado e não deve ser desperdiçado ou lançado no látex.
Ainda em sua ira, o Todo-poderoso teve a criatividade de inventar o ciclo menstrual para a mulher. Assim, uma vez por mês, todos os homens são lembrados de que o fruto de cor vermelha é proibido e são importunados pelo eterno eco da voz de Eva quando descobrir o que Adão havia feito: Não falei? Ou ainda: Eu disse pra virar naquela rua, mas você nunca escuta o que eu falo!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Da criação - parte 3 - O sentido da vida

Por vezes nos apegamos ao destino para explicar as coisas ruins (e as boas quando ocorrem) que com freqüência acontece na vida. Quando Alexandre, o Grande, passeava por umas bandas periculosas, se deparou com um nó esquisito que unia uma coluna a uma carroça. Não era apenas um nó esquisito, ou um nó muito apertado, era um nó simplesmente impossível de desatar. Dizia-se que aquele que desatasse o nó, apertado inutilmente por Górdio para se lembrar de seu passado camponês (o que não transforma o nó em algo útil), iria se tornar o rei da Ásia Menor. Por quinhentos anos o nó ficou intocado até que o “Xandinho” teve uma idéia boba para resolver o problema: desembainhou a espada e simplesmente cortou aquele tanto de corda. Algum tempo depois ele conquistou muito mais do que a Ásia menor. Alguns podem dizer que a profecia se realizou por causa do nó, erro crasso. Imagine então que a corda são as coincidências, toda entrelaçada e impossível de desatar. Pois, pegue uma espada, uma lança ou um machado e corte. Não, não pense que a Ásia Menor ainda pode ser conquistada ou que você dominará alguma coisa. O nó desatado nos revela o significado da vida: Fracasso.

Não é azar, não é destino nem nada disso, é simplesmente fracasso, total e irrestrito.
O nascimento é considerado por alguns como o milagre da vida, os mais sensatos acreditam que é apenas o começo do fracasso. Ora, o bebê estava quentinho, sem preocupações, recebendo alimento, alojamento e ainda por cima estava nu. Nada podia ser melhor do que isso. Mas, por um infortúnio, abre-se uma fenda no nosso santuário e somos despejados sem dó. O verdadeiro sentido da vida, então, é a busca por voltar a esse bom estado que era a barriga da mãe: ainda mais quando se pode ficar pelado. No mundo, a criança aprende a sentir frio, dor, fome, a chorar, a gritar, espernear, gritar por doces, colocar roupas, beber álcool, bater o carro, arrumar um emprego, namorada, presenciar terríveis aulas de física e química, comer uva passa e ainda ter o risco de trombar com outras pessoas tão fracassadas quanto ela mesma. A vida, então, é uma eterna busca de fracassar no fracasso, ou seja, sucesso. Alguns deviam assumir o fracasso, fazer disso um sucesso relativo: Escrever livros: "10 passos para o fracasso", dar palestras: "Tenha sucesso em ser um fracasso!", fazer filmes: "O homem sem fracasso", escrever músicas: "Não sou emo, sou fracassado", realizar pesquisas científicas: "Variáveis correlacionadas com o fracasso absoluto: Um estudo de caso", criar cursos técnicos: "Técnico em Fracasso" e até curso superior: "Fracassologia".

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Da criação - parte 2 - O ócio criativo

Voltando para o suntuoso momento da criação, o Onisciente criou várias coisas e lugares para (ainda que tentar) cansar o Tédio. Contudo, não gostando do que fez, comprimiu tudo o que havia inventado em uma pequenina trouxa amarrada com um lençol na ponta de um pedaço de pau: fugiu de casa e dos abusos cometidos pelo Grande Tédio.

Alguns físicos bolaram a idéia de que o universo está em um movimento eterno de expansão e compressão, postularam então que no momento da explosão do Big Bang se ouviu: “Ooops, eu fiz denovo” – Muito tempo depois, a frase virou hit de sucesso no mundo todo na voz de uma cantora pop americana.

Então, o Ó-Todo-Poderoso continuou em paz durante algum tempo, porém, para combater o Tédio Eterno, o Onipotente inventou o ócio criativo. De acordo com o famoso filósofo Everard Hovkin da Universidade de Syakinevasuzavsky na Rússia, esse foi o ponto de partida para a criação de quase todas as coisas que conhecemos hoje. Essa perturbação na ordem natural, e tediosa, das coisas criaria as sociedades, as guerras, a fome, a dialética e os magníficos aparelhos de MP25 que tocam vídeos, músicas, tiram fotos, fazem ligações, dão água pro cachorro, mandam mensagens, hologramas, dá cambalhota e armazenam uma infinidade de livros e informações inúteis!

O ócio criativo funciona da seguinte forma: o Onipresente, após um Épico Banquete Esplendoroso, senta-Se com uma revista de fofoca sob um objeto que ele mesmo criou – uma espécie de poltrona de porcelana com um formato apropriado para se repousar os glúteos e com uma leve diferença das poltronas normais – ela possui um buraco no centro. Passado algum tempo, por vezes desagradável, a criação repousa em uma água que se encontra no interior da cavidade embaixo do assento.

Muitos se perguntam sobre porquê Ele deu o nome de Assentuamento Monumental já que, geralmente, usamos um assento para colocar os glúteos e acentuamos palavras com acento. A informação mais aceita vêm de uma placa de granito que foi encontrada no caminho antigo para Judéia. Em hebraico rudimentar, meio apagado, pode-se ler “Escreto vinho serto por linhas e tortas.” Ao longo dos anos nada de conclusivo foi encontrado sobre a citação e o verdadeiro significado da frase mas, algumas pessoas acreditam que ela deu origem a um certo ditado popular.

Em uma das muitas vezes em que fez uso do Assentuamento Monumental, o Ser Absoluto inventou, sem querer, a solidão. Amuado e sozinho, criou a cura para a depressão em um momento de aperto. Ora, sabemos que o ÓÓÓ “Onipotente, Onipresente e Onisciente” não vive em sociedade; assim sendo, não há regras sociais pra reger o seu comportamento. Em todo o Seu tédio resolveu brincar com o efeito colateral do "divino aperto nas tripas após um Épico Jantar Suntuoso" – o barro. Obviamente não é como o barro que conhecemos no nosso dia a dia: é barro divino, inefável, duradouro e extremamente inconsistente.

Aparentemente houve muita diversão, pois, o ÓÓÓ esquecera da solidão enquanto estava ali a brincar com o barro celestial. No meio dessa brincadeira, encontrou algo estranhamente familiar – parecido com algo que não identificara no banquete mas comeu mesmo assim (possivelmente costeletas de porco). Desse objeto não identificado Ele inventou algo que chamou de Mulher; enquanto, ao barro amassado, deu o nome de Homem. Da mistura desses dois a humanidade foi criada, procriou-se e deu origem a 6 bilhões de barrelas divinas ambulantes achando que é gente.